sexta-feira, 4 de março de 2016

QUARTA CAMADA – DECEPÇÃO – PARTE 2

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Creio que o que se passou após aquele terrível encontro não foi nada perto das coisas que me esperavam mais a frente… eu pediria para que você faça mentalmente uma lista com os nomes das pessoas que você mais confia… talvez tenha muitas pessoas, talvez nem tanto… agora… retire da sua lista 99% e me diga quem ficou? Aquele momento não apenas partiu meu coração, ele perfurou toda a minha alma e me deixou desnorteado ao notar como as pessoas não enxergam a verdade e se enveredam nos seus próprios infernos. A pessoa em quem eu mais confiava em toda a minha vida, seria como um veneno para mim… ela tentaria me destruir simplesmente porque eu sabia demais…

Desci do ônibus num ponto escuro do bairro, o abrigo estava aos pedaços e a mesma luz amarela cambaleante me seguia mesmo após tanto tempo longe de casa… o vento estava quente e úmido mesmo aquela altura da noite, quase madrugada. Não observei muito as mudanças do bairro, mas pude notar algumas crianças sujas e quase sem roupas brincando na praça principal do bairro enquanto alguns bares novos contaminavam as velhas casas. Parei na subida do morro que sempre subia, olhei por um instante tentando lembrar como era aquele lugar anos atrás. Cocei a barba várias vezes sentindo um arrepio subir pela espinha terminando nas orelhas, não estava preparado para aquele encontro, mas tinha de acontecer, minha mãe talvez estivesse acordada e quem sabe ficaria feliz em me ver novamente… após tomar coragem fui até o fim, parei em frente ao seu portão e chamei, não demorou muito para aparecer olhando da grade do segundo andar.

- Oh… oh… não pode ser! Exclamou antes de sair correndo em direção ao portão para que eu entrasse.
- Oi… mãe, estou de volta…
- Como ficamos preocupados, Scott, onde você esteve todos estes anos? Colocamos muitas pessoas atrás de você, mas não conseguiram por anos… achei que você estava…

Consegui ver as lágrimas correrem dos seus olhos, mas minha mãe sempre foi muito forte, mesmo numa situação como aquela ela seguraria até o fim. Entramos e contei tudo, resumidamente, para ela a fim de que ela pudesse entender onde estive envolvido. Após ter ouvido tudo com uma atenção que eu não conhecia ela foi em direção ao quarto enquanto eu observava alguns quadros novos pendurados na parede.

- Como a senhora tem passado, mãe? Perguntei em alta voz.
Scott… tenho passado bem, não entendo uma coisa meu filho… você estudou tanto, aprendeu tanto e no final acabou sendo enganado quase do mesmo jeito que eu fui anos atrás.
- Não entendi direito mãe, o que a senhora quer dizer com isso? Questionei olhando para a porta…
- Toda essa idiotice de religião, deus e essas baboseiras que nos dizem pra tentar nos convencer. Por muito tempo eu fui mesma, admito, enganada. Mas hoje não me vejo perdendo tempo com essas coisas ultrapassadas, vivemos uma nova era, não cabe mais isso em nosso mundo… Aquele frio na espinha, novamente…
- Sabe o que a tropa vermelha faz com pessoas de pensamento tão atrasado como você? Peço que refaça seus pensamentos sobre esse tal deus que nunca vem, nunca voltou e tenho por mim que nunca existiu…

Caí sentado no sofá esverdeado da sala, senti como que meu coração se partindo… minha mãe que antes me forçava a frequentar os cultos, dizia orar por mim e coisas desse tipo, agora me dizendo que isso tudo era uma grande mentira, precisava entrar na quarta camada e ver o que estava acontecendo e a reposta foi como uma espada cortando minha alma, minha mãe estava sozinha e sóbria. Ela dizia realmente o que pensava sem nenhuma interferência maligna.

Comecei a sentir minhas próprias lágrimas quando notei que ela tinha dado um passo atrás… segurava um objeto com um botão e pressionava com tanta força que fiquei com medo de jogar em mim, tentava entender o que estava acontecendo naquele momento. Não tive um minuto sequer para isso…
- Você é uma praga pra nossa família, antes tivesse morrido. Uma desgraça para essa casa, não precisamos de você aqui Scott!

Me levantei e agarrei o rosto dela por um momento enquanto ela tentava me afastar de si, estava tão desorientado que sem perceber entrei levando ela na quarta camada e por uma questão de segundos viu muito mais do que havia visto em toda vida, seus olhos estavam abertos de terror com a visão daquilo que realmente representava a realidade. Finalmente, quando conseguiu me empurrar em direção à porta pude ver que em seus olhos alguma coisa mudara, ela poderia voltar atrás, mas aquele não seria o momento ideal para isso.

Após isso, eu não pude ver de onde saiu, de onde veio. Um helicóptero sobrevoava a rua. Havia soldados por todo o bairro e eles estavam procurando a mim graças a uma chamada de emergência, emitido pela minha mãe que, enquanto saía correndo em direção ao portão gritou para que os soldados pudessem ir atrás de mim. Eu já cruzava a esquina.

Estavam aproximadamente a quinze metros de mim quando notei que foram alertados, corri por baixo de marquises para que o helicóptero não me encontrasse até que não consegui evitar e fiquei a vista dele, dos soldados e de moradores que nesse momento começavam a vir atrás de mim. Pulei uma cerca e cai de joelhos no barro molhado de um quintal abandonado. Havia uma casa ainda em construção onde pude me esconder até que alguns homens passaram por mim e pude novamente sair. Enquanto estava escondido, ainda com muito medo, pude notar que na rua muitas mulheres lamentavam sobre alguma coisa, algo como a presença da tropa vermelha no bairro. Corri até o muro do quintal e após dois quintais parei encostado no muro para tomar um pouco de ar, tempo que foi abreviado quando dois cachorros entregaram minha posição, consegui me esconder.

Estava num quintal abandonado na parte baixa do bairro, próximo à praça onde crianças sujas brincavam, saltei usando os módulos emprestados por K32 e me abaixei num local escondido para que pudesse observar com mais cuidado o local. Como que num segundo, ouvi uma grande explosão em um dos carros parados a minha esquerda. Olhei e em cima do carro descansava quase que imponente um ciborgue, como K32. Porém este maior e havia cabos soltos pelo capacete soltando faíscas como se acabassem de arrancar da sua fonte de energia. Caminhei em sua direção quase que por impulso, já não havia mesmo para onde ir, estava praticamente tudo perdido. Sentia o calor do carro em chamas quando ele começou a se mexer. Da parte de trás de um velho prédio pude ouvir um som seco e metálico correndo em nossa direção, me escondi na lateral do muro para que não fosse pego de surpresa, foi então que os passos diminuíram, estavam agora caminhando pelo corredor entre um prédio e outro. Olhei curioso para saber o que estava acontecendo e fiquei chocado quando percebi que era uma criança, ou um ciborgue. Já não tinha mais noção de muita coisa que estava acontecendo ali. Ela ajeitava alguns cabos aparentemente interligados em sua cabeça, parou na direção do ciborgue.

- Venha Gênesis… Vamos sair deste lugar imundo… Venha também Scott, estávamos te esperando…

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