segunda-feira, 19 de agosto de 2013

QUARTA CAMADA – RELIGIOSIDADE

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O culto terminou, saindo da igreja notei uma pequena livraria na saída do templo. Passei até lá e me interessei profundamente por uma bíblia de estudos, acabei comprando mesmo tendo uma em mãos. Sentia-me profundamente entusiasmado por ter tido uma oportunidade de falar dentro da igreja para outras pessoas que pensam da mesma forma, do lado de fora isto seria quase impossível por isso estava feliz por ter encontrado coragem de fazer aquela visita.

Voltando para casa ia passando por uma rua estreita e senti como se fosse tragado para certo lugar, comecei por impulso a entrar em becos pela cidade e passar por lugares estranhos, não era sonho, estava mesmo sendo puxado para algum lugar, segurei firme as duas bíblias que tinha em mãos de deixei que aquela sensação me conduzisse onde quer que ela queria me levar e não me achei estranho, pois sei bem que todo mundo já fez isso pelo menos uma dezena de vezes na vida. Fiquei por um instante olhando, com pensamentos vagos e distantes, alguma coisa estava acontecendo dentro de mim, sentia estar sendo convencido a continuar caminhando naquela direção.

À medida que ia entrando pela periferia da cidade a sensação ficava mais forte a ponto de ter certeza de que eu realmente deveria estar lá, até que parei num portão enferrujado e caindo aos pedaços. Balancei-o por um instante na dúvida de entrar e observei bem o local onde estava, movimentei com mais força a fim de abri-lo quando tive algum tipo de visão, foi como se os planos se invertessem, as camadas se sobrepuseram sendo que a quarta passou a ser a primeira e a primeira ficou entre a terceira e a segunda.


O chão de terra batida estava separado por uma rachadura que envolvia toda a extensão do terreno, um caminho levava ao centro do buraco e então comecei a ouvir passos vindos do fundo, eles não vinham como alguém que anda normalmente, pareciam bambos, mancos. A pessoa que apareceu me deixou pasmo. Seu porte era de alguém superior, suas roupas eram brancas, mas não havia brilho algum, naquele momento não tive dúvida. Estava vendo, pasmo, os passos do anjo decaído, Lúcifer estava vindo pessoalmente ao encontro de quem estava dentro da casa, até aquele momento ele não havia olhado para mim, no momento em que isto aconteceu senti meu corpo todo esfriar, minha mão apertava o portão como se fosse amassá-lo e minhas pernas tremiam, olhei em volta e vi que estava acompanhado por anjos prontos para me proteger, seus olhos apesar de enfraquecidos pela visão ao meu redor me olharam com tanto ódio que sentia minha alma tremendo com sua presença.

Um anjo tocou meu ombro e eu voltei para a primeira camada, mas não foi somente um toque, havia algo naquela mão que me deixou decidido a entrar e ver o que eu tinha de fazer naquela casa. Dei um passo para dentro do quintal e dois homens passando pela rua imploraram para que eu não entrasse no local, me virei para dar atenção a eles e quando voltei haviam dois cães enormes rosnando em minha direção, confesso que nunca teria força para sequer encostar naquele portão, mas quando notei que não estava sozinho tudo passou, a quarta camada passou a ser visível a mim e não me importava mais com o que via, havia alguém naquela casa que precisava conhecer e eu não tinha outra escolha a não ser entrar e entregar aquela bíblia que estava segurando como se fosse uma arma.

Após o portão bater atrás de mim meu celular tocou, não hesitei em atender e quem falava era Lucas e ao fundo o que parecia ser o pastor Carlos orando em voz alta.

- Está tudo bem Scott? Perguntou o Lucas com a voz meio roca.
- Sim, acho que posso me considerar em boa situação pastor...
- Não se desespere, eu e o pastor estamos orando aqui na Igreja e toda congregação está clamando por vocês, temos certeza de que vai dar tudo certo Scott.
- Entendo, a pouco aconteceram coisas estranhas, mas ele está me mandando entrar com uma força fora do meu controle. Não sei o que devo fazer agora, vou simplesmente entrar… desliguei e toquei a porta de entrada da casa. A porta de alumínio com uma pequena báscula na parte superior coberta de poeira, não puder ver o interior da casa. Parei por um instante, novamente meus pensamentos eram vagos, não sabia exatamente onde estava nem o que iria dizer e isto estava corroendo meu interior, pus a mão na boca, temeroso e a porta simplesmente se abriu.

- Bom dia! O senhor deseja alguma coisa? Disse uma senhora estendendo uma das mãos em minha direção.
Fiquei sem ar, não pude pensar em algo a dizer por que estava simplesmente abismado com o que vi. O interior daquela casa era exatamente o contrário do seu exterior, não havia sujeira, as paredes eram brancas e seus móveis eram impecavelmente arrumados, olhei para ela e confesso não ter visto uma senhora naquela idade tão organizada – Eu vim lhe entregar algo – disse dando passos curtos em direção à entrada.

- Porque? Perguntou antes de entrar. Olhei para ela e senti como se estivesse sendo esmagado pela pergunta, não havia resposta lógica para a pergunta, certamente seria taxado de louco se dissesse a verdade a ela. Sente-se ali, vou buscar um pouco de água. Disse apontando para a mesa.

Na mesa pude recuperar o fôlego e pensar melhor. Apesar de estar melhor não pude notar dentro daquela casa algum rastro daqueles que estavam comigo do lado de fora, ali eu estava sozinho, por isso queria terminar o mais rápido possível com aquela visita, mas isso não foi possível. Ela veio em minha direção com um olhar sereno e paciente, estava me tratando melhor do que minha própria mãe, e isto me assustava ainda mais.

- Pude notar algo diferente em você, o que lhe trouxe aqui amigo? Qual o seu nome e porque aceitei que entrasse em minha casa segurando um desses livros esquisitos? Perguntou sorrindo.
- Senhora… desculpe pela intromissão, realmente fui muito grosso entrando assim, mas creio que há algo aqui que precise de atenção. De imediato, preciso mesmo deixar este livro com a senhora, mesmo que não aceite. Deixarei ele aqui e sairei, o que a senhora fizer com ele fica entre a você e Deus…
- Deus…  este nome costumava ser dito nesta casa antes, lembro-me bem, faz muitos anos. Disse olhando para um porta-retratos na parede.

- Então a senhora o conhece, sei que existe algum tipo de relação entre vocês dois, caso contrário eu não teria chegado aqui, agradeço a água. Levantei para sair e notei uma presença tocando-a nos ombros, ela virou-se como se estivesse olhando para ele, calma e serena como era, estava olhando para ele e então se virou para mim e notou que eu também havia visto o que estava acontecendo. Seu olhar mudou quando notou que estava acompanhando os dois e seu tom de voz também.
- Não preciso da sua ajuda Scott, sinto lhe informar que todo seu conhecimento perto do que tenho em mãos não é nada, então não perca o seu tempo, abandone-me também, assim como fizeram os outros… - quando se referiu aos outros pude notar que seu tom de voz caiu, alguma coisa havia acontecido naquele lugar para deixa-la assim e eu estava disposto a ir até o fim.
- Não lhe ofereço minha ajuda senhora, porque não vim aqui pela minha vontade e sim pela vontade de quem me enviou, sinto muito ver que têm em seu coração um vazio tão grande, a ponto de escutar conselhos de anjos que não mereceriam ser ouvidos.
- Foi o que me sobrou, a única ajuda que recebi após ser deixada aqui Scott, este não é um anjo caído, ele tem me alimentado, cuidado dos meus desejos, não fale assim dele. Olhe toda esta casa vazia, estou sozinha há anos e não tenho quem cuide de mim…
- A senhora foi abandonada e desde então vive aqui, entendo o tipo de sofrimento que tem passado, mas Deus me trouxe para te despertar… Naquele momento ouve um grande barulho ao se levantar o anjo que estava atrás dela, assustado fui impedido de continuar. Aquela pobre senhora, buscou tateando com as mãos sobre a mesa o presente que acabara de ganhar, pude sentir que meu trabalho estava terminado e me levantei para sair, quando o fiz ela começou a falar soluçando por causa do choro.
- Você diz sobre despertar, eu não posso mais Scott, estou condenada a viver assim por que falhei há muitos anos. Mesmo que quisesse eu não conseguiria mais voltar… eles já puseram em mim a sentença, estou condenada… ao inferno…

- A senhora não pode ser condenada por homens, não importa o que falem, mais forte é aquele que tem o poder de te perdoar, pois está escrito: Todo aquele que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora. Portanto Deus não condena aquele a quem deu a Cristo, mesmo que esteja em pecado um dia viverá. Este é o seu dia! Disse caminhando em sua direção.

Ela se levantou e me abraçou, seu choro fez com que me emocionasse então a abracei como se estivesse fazendo com minha própria mãe, após alguns minutos ela me contou que anos atrás teve um relacionamento extra conjugal. Sendo achada em adultério foi desligada da igreja onde frequentava e abandonada por seu marido e seus filhos, após todos estes acontecimentos, ela teve seu primeiro contato com uma seita que a permitiu entrar em contato com um anjo que dizia ser um ajudador, mas sentia que algo de errado acontecia quando entrava em contato com ele. Lúcifer tinha aquela senhora nas mãos, usando de toda religiosidade para afasta-la do caminho certo para sempre. Após alguns minutos conversando com ela me despedi, precisa ir embora.


- Dona Carolina, tenha uma boa manhã. Que Deus continue aquilo que começamos nesta manhã e confirme aquilo que conversamos hoje! Não se esqueça, ele é fiel e justo para te perdoar. – Naquele dia saí sentindo que um peso enorme foi retirado das costas daquela pobre senhora e o pior, um peso anteriormente colocado por pessoas que se diziam crentes, para mim ainda era difícil entender o que era isso, mas em breve eu entenderia. Fechei o portão ainda olhando para dentro do quintal da casa dela e imaginando quanto tempo sofria por não ter recebido uma mensagem de conforto e perdão, virando-me para ir embora notei que as mesmas pessoas que antes disseram para não entrar na casa me aguardavam na esquina daquela rua e eles não queriam conversar comigo…

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